Nesse mês de Fevereiro, estou trabalhando numa feira de
livros judaicos que acontece aqui na Yeshiva University. É a maior feira de
livros dos Estados Unidos, com mais de 7 mil títulos. Minha função é cuidar de
uma seção específica de livros (Guemará e Mishna) e ajudar os clientes a
encontrar aquilo que procuram. É muito interessante essa interação com os mais
variados tipos de pessoas, trocar ideias, ajudar alguns a encontrarem
justamente o que estão procurando, ver outros terem sonhos realizados. Em um dia
desses, ajudei uma pessoa a encontrar uma Guemará que ela procurava e não
conseguia achar. Após pegar o livro e sair sorridente, ela me agradeceu
efusivamente mais de uma vez. Quando eu estava indo embora após encerrar meu
turno, passei por essa pessoa e mais uma vez
ouvi um “thank you so much for your help”. Na hora, achei até um pouco
estranho e exagerado todo esse agradecimento. Afinal, o que eu havia feito
demais? Foi apenas um pequeno favor! Porém, mal sabia eu que isso estava
fundamentado na Parashá Mishpatim.
A Parashá dessa semana é repleta de leis. Uma atrás da
outra. É a Parashá que mais possui Mitsvot em toda a Torá. Como não temos como
escrever sobre todas elas, vamos focar em uma. Diz o passuk que um juiz não
pode aceitar suborno pois este cega os olhos dos sábios. Em outras palavras, ao
aceitar um suborno, por mais que seja da pessoa que merece ganhar o julgamento,
o juiz não julgará imparcialmente o caso.
Explica a Guemará em Ktubot (105) que essa lei de suborno
não se refere apenas a uma corrupção financeira, mas também ao suborno
emocional. Como assim? Digamos que alguém fez um pequeno favor a um juiz. A
partir desse momento, esse juiz não poderá julgar nenhum caso que envolva essa
pessoa. Para exemplificar essa lei, a Guemará traz um exemplo: certa vez, um
sábio chamado Shmuel estava andando em uma ponte. Um judeu se aproximou e lhe
deu apoio, ajudando-o a cruzar o rio. Quando chegaram na outra margem, esse
homem disse para Shmuel que gostaria que Shmuel julgasse um caso entre ele e
uma outra pessoa. Shmuel então respondeu: “como você acabou de me fazer um
favor ao me ajudar a cruzar o rio, não posso mais ser o juiz de seu caso.
Procure outra pessoa.” Shmuel entendeu que por causa desse favor, ele não
conseguiria julgar imparcialmente.
A pergunta que temos sobre o microcosmo dessa história e
sobre o macrocosmo da lei de suborno é muito clara. Será que um pequenino favor
poderia influenciar num julgamento? Como pode ser que Shmuel não aceitou julgar
aquela pessoa apenas por ela ter lhe ajudado a cruzar uma ponte? Quão grande
foi esse ato?
A resposta para essa pergunta é que a Guemará quer nos
ensinar uma lição muito importante. Se usarmos a logica com a qual estamos
acostumados em nosso dia a dia, atos muito simples como ajudar um senhor a andar
por uma ponte não seriam o suficiente para serem considerados suborno. Porém,
nossa pergunta sobre a história de Shmuel só surgiu por acharmos que esse ato
foi pequeno demais não merecendo consideração. Mas na verdade, Shmuel não se
sentia confortável em julgar o homem, pois ele via sua ajuda como um ato
gigante e representativo.
O que aprendemos dessa Guemará é a importância de
reconhecer o bem que alguém nos fez. Seja algo grande, um favorzão, ou algo
pequeno, uma simples ajuda, qualquer ato que alguém faça em prol de nosso bem
estar deve ser reconhecido e gratificado. Em alguns momentos de nosso dia a
dia, costumamos pensar que merecemos tudo aquilo que nos é feito e portanto não
há reconhecimento. Ou, nem nos damos conta de que algo foi feito e deve ser
agradecido. Quando a Torá disse que juízes não podem nem aceitar um pequeno
favor de alguém que julgarão, é porque a Torá espera que consideremos até mesmo
esse pequeno beneficio como algo a ser gratificado.
Reconheça. Agradeça. Fale um obrigado. Dê um sorriso ou um
abraço. Muitas são as maneiras como podemos praticar essa lição. É claro que não
precisa exagerar como a pessoa na feira de livros, mas valeu a sua boa intenção.
Às vezes, sem percebermos, algumas palavras de agradecimento podem fazer toda a
diferença na vida de uma pessoa.
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