quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Chayei Sará - Saiba o Que, Quando e Como Falar

Certa vez um rabino que trabalha no ramo de kiruv me explicou como ele e todos aqueles que estão nesse campo precisam saber um pouco sobre tudo. Para conseguir chamar a atenção das pessoas que participam dos eventos de sua instituição, ele me disse que precisa estar sempre preparado a entrar no papo de cada um. Assim, os mantem interessados, além de lhes fazer se sentir confortáveis. Um garoto só fala de futebol; outra menina é mais interessada em politica; um terceiro manja em economia. O rabino, para se aproximar dos jovens, precisa estar por dentro de tudo isso e mais um pouco. Contudo, não é somente no kiruv que isso é importante.
Ao ler a Parashá desse semana, você não precisa prestar muita atenção para perceber algo peculiar. Mais uma vez, lembremos a famosa frase que na Torá não existem palavras, nem mesmo letras, escritas “à toa”, sem necessidade. Apesar disso, encontramos em nossa Parashá um episódio que é narrado duas vezes. Parece replay. Alguma pessoa desatenta na sinagoga corre até o risco de achar que se enganaram e estão lendo o mesmo trecho na Torá novamente. A principio parecem completamente idênticos.
Avraham enviou seu servo Eliezer para a importante missão de buscar uma noiva para seu filho Itschak. Todos conhecemos o episodio que narra o encontro de Eliezer com Rivka, quando ela o alimentou e também aos seus camelos, e logo depois o levou para conhecer sua família. O estranho é que esse episódio é narrado primeiramente pela própria Torá, e logo depois por Eliezer, quando ele contou tudo aos futuros sogros de Itschak. O que há de tão especial nessa passagem, para estar escrita duas vezes na Torá?
Rashi no local já percebe a estranheza do fato, e traz o comentário de nossos sábios sobre o assunto. Dizem eles que aprendemos daqui que a conversa de um escravo de um dos patriarcas é mais querida para Hashem do que a Torá de seus próprios filhos. O episodio de Eliezer foi escrito mais de uma vez, enquanto muitas outras leis e ensinamentos importantes na vida judaica não estão nem explicitamente escritos nos psukim da Torá.
Esse é um comentário bonito. Mas não responde a nossa pergunta. Se a Torá fez questão de escrever a historia de Eliezer duas vezes, é por que quer que aprendamos alguma coisa com ela. E o que seria?
Existem várias respostas para essa pergunta. Traremos uma. Se repararmos na historia que realmente aconteceu, e na versão que Eliezer contou para a família de Rivka, perceberemos algumas diferenças. Três chamam a atenção.
Primeiramente, Avraham havia ordenado Eliezer a não pegar uma esposa para Itschak do povo de Knaan, uma vez que não eram boas pessoas, e por isso o enviou a Charan, sua terra natal. Eliezer, porém, contou que Avraham lhe enviou a Charan pois fazia questão que Itschak casasse com alguém de sua família especificamente. Avraham nunca disse isso.
Além disso, Avraham não queria que Itschak, de jeito nenhum, saísse da terra de Israel, uma vez que ele queria que seu filho vivesse sua vida inteira dentro da terra santa (o que realmente aconteceu). Eliezer não contou essa parte.
E por último, talvez a mais famosa diferença: na hora que Eliezer viu que Rivka havia lhe ajudado e imaginou que ela poderia ser a mulher certa, ele primeiro lhe deu um presente e depois perguntou quem era ela. Quando ele narrou o ocorrido, ele inverteu a ordem: “primeiro perguntei quem ela era, e depois lhe dei um presente”.
Essas três mudanças nos brindam com um importante ensinamento. Quando falamos com alguém, temos de saber a maneira certa de falar e o assunto certo a ser abordado. A única maneira de uma pessoa ouvir o que temos a dizer, é se falarmos a sua língua (além do português). Eliezer não contou para Betuel e Lavan sobre a ojeriza de Avraham aos Knaanim, pois eles nunca a entenderiam. Por isso, disse que estava em Charan por questões familiares. Também não lhes contou a restrição de Itschak sair de Israel, porque isso não era relevante, e não acrescentaria em nada, pelo contrario, eles achariam isso muito estranho. Por esse motivo também Eliezer trocou a ordem dos acontecimentos. Ele acreditava em Hashem e sabia que Rivka era a mulher certa, por isso deu a ela um presente antes mesmo de perguntar sua identidade. Mas ele não queria parecer um louco perante a família de Rivka, por isso lhes disse que antes perguntou seu nome e depois lhe deu um presente.

Devemos sempre pensar antes de falar. Já estamos cansados de ouvir essa frase. Mas na verdade, ela nos diz muito. Cada pessoa possui seus interesses e sua forma de pensar. Não adianta falar para alguém o que ele não deseja ouvir. Temos de saber a maneira correta de dialogar com cada um. Temos de prestar atenção não apenas ao que estamos falando, mas também a como o estamos fazendo. A forma como falamos muda a maneira como somos interpretados. Para o bem, ou para o mal.

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