Certa vez um rabino que trabalha no ramo de kiruv me explicou como ele
e todos aqueles que estão nesse campo precisam saber um pouco sobre tudo. Para
conseguir chamar a atenção das pessoas que participam dos eventos de sua
instituição, ele me disse que precisa estar sempre preparado a entrar no papo
de cada um. Assim, os mantem interessados, além de lhes fazer se sentir confortáveis.
Um garoto só fala de futebol; outra menina é mais interessada em politica; um
terceiro manja em economia. O rabino, para se aproximar dos jovens, precisa
estar por dentro de tudo isso e mais um pouco. Contudo, não é somente no kiruv
que isso é importante.
Ao ler a Parashá desse semana, você não precisa prestar muita atenção
para perceber algo peculiar. Mais uma vez, lembremos a famosa frase que na Torá não existem palavras, nem mesmo letras,
escritas “à toa”, sem necessidade. Apesar disso, encontramos em nossa Parashá
um episódio que é narrado duas vezes. Parece replay. Alguma pessoa desatenta na
sinagoga corre até o risco de achar que se enganaram e estão lendo o mesmo
trecho na Torá novamente. A principio parecem completamente idênticos.
Avraham enviou seu servo Eliezer para a importante missão de buscar
uma noiva para seu filho Itschak. Todos conhecemos o episodio que narra o
encontro de Eliezer com Rivka, quando ela o alimentou e também aos seus
camelos, e logo depois o levou para conhecer sua família. O estranho é que esse
episódio é narrado primeiramente pela própria Torá, e logo
depois por Eliezer, quando ele contou tudo aos futuros sogros de Itschak. O que
há de tão especial nessa passagem, para estar escrita duas vezes na Torá?
Rashi no local
já percebe a estranheza do fato, e traz o comentário de nossos sábios sobre o
assunto. Dizem eles que aprendemos daqui que a conversa de um escravo de um dos
patriarcas é mais querida para Hashem do que a Torá
de seus próprios filhos. O episodio de Eliezer foi escrito mais de uma vez, enquanto
muitas outras leis e ensinamentos importantes na vida judaica não estão nem
explicitamente escritos nos psukim da Torá.
Esse é um comentário bonito.
Mas não responde a nossa pergunta. Se a Torá fez questão de escrever a historia
de Eliezer duas vezes, é por que quer que aprendamos alguma coisa com ela. E o
que seria?
Existem várias respostas para
essa pergunta. Traremos uma. Se repararmos na historia que realmente aconteceu,
e na versão que Eliezer contou para a família de Rivka, perceberemos algumas
diferenças. Três chamam a atenção.
Primeiramente, Avraham havia
ordenado Eliezer a não pegar uma esposa para Itschak do povo de Knaan, uma vez
que não eram boas pessoas, e por isso o enviou a Charan, sua terra natal.
Eliezer, porém, contou que Avraham lhe enviou a Charan pois fazia questão que
Itschak casasse com alguém de sua família especificamente. Avraham nunca disse
isso.
Além disso, Avraham não queria
que Itschak, de jeito nenhum, saísse da terra de Israel, uma vez que ele queria
que seu filho vivesse sua vida inteira dentro da terra santa (o que realmente
aconteceu). Eliezer não contou essa parte.
E por último, talvez a mais
famosa diferença: na hora que Eliezer viu que Rivka havia lhe ajudado e
imaginou que ela poderia ser a mulher certa, ele primeiro lhe deu um presente e
depois perguntou quem era ela. Quando ele narrou o ocorrido, ele inverteu a
ordem: “primeiro perguntei quem ela era, e depois lhe dei um presente”.
Essas três mudanças nos brindam
com um importante ensinamento. Quando falamos com alguém, temos de saber a
maneira certa de falar e o assunto certo a ser abordado. A única maneira de uma
pessoa ouvir o que temos a dizer, é se falarmos a sua língua (além do
português). Eliezer não contou para Betuel e Lavan sobre a ojeriza de Avraham
aos Knaanim, pois eles nunca a entenderiam. Por isso, disse que estava em
Charan por questões familiares. Também não lhes contou a restrição de Itschak
sair de Israel, porque isso não era relevante, e não acrescentaria em nada,
pelo contrario, eles achariam isso muito estranho. Por esse motivo também
Eliezer trocou a ordem dos acontecimentos. Ele acreditava em Hashem e sabia que
Rivka era a mulher certa, por isso deu a ela um presente antes mesmo de
perguntar sua identidade. Mas ele não queria parecer um louco perante a família
de Rivka, por isso lhes disse que antes perguntou seu nome e depois lhe deu um
presente.
Devemos sempre pensar antes de
falar. Já estamos cansados de ouvir essa frase. Mas na verdade, ela nos diz
muito. Cada pessoa possui seus interesses e sua forma de pensar. Não adianta
falar para alguém o que ele não deseja ouvir. Temos de saber a maneira correta
de dialogar com cada um. Temos de prestar atenção não apenas ao que estamos
falando, mas também a como o estamos fazendo. A forma como falamos muda a maneira
como somos interpretados. Para o bem, ou para o mal.
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