Há mais ou menos três anos, quando a festa de Sukot estava
terminando, eu precisava arranjar alguém pra me levar para a Yeshivá de Cotia,
onde eu passaria Hoshaná Rabá. Perguntei à um amigo mais velho, que já havia
saído da Yeshiva, se ele iria de carro para a Yeshiva, e se poderia me dar uma
carona. Ele disse que sim, que iria à meia noite (em Hoshaná Rabá passamos a
noite estudando, por isso o tardo horário). Às 23:45 me ligou o meu amigo:
“Desisti de ir para a Yeshivá”. Ao ouvir isso, logo concluí que minha carona
havia ido por água abaixo, e naquela hora não haveria mais ninguém para me
levar. Porém, fui surpreendido. “Mas mesmo assim vou te levar, sem problema
nenhum”. No final, após minhas recusas não terem adiantado, meu amigo me buscou
à meia noite em casa, me levou até a Yeshiva, em Cotia, para imediatamente
voltar à São Paulo. Seu ato de bondade dificilmente será esquecido.
A Parashá dessa semana começa com a famosa visita que os
anjos fizeram à Avraham e toda a hospitalidade que este lhes ofereceu, dando
comida, bebida e descanso para àqueles que estavam disfarçados de pessoas.
Deste acontecimento, nossos sábios aprendem a importância de fazer chassed,
bondade. Isso fica claro qunado Avraham abandonou a companhia de Hashem para ir
receber suas visitas.
O estranho é que não faltam acontecimentos na vida de
Avraham que exemplificam o chessed. Toda a sua vida foi construída sob os
pilares do altruísmo. Por que então, é enfatizada essa recepção que Avraham fez
aos anjos? Se formos pensar, Avraham acabou não ajudando ninguém, uma vez que
os anjos não possuem necessidades materiais. Eles fingiam que estavam bebendo e
comendo. O que há de tão especial nesse evento para ser considerado o exemplo
mor do que é praticar a bondade?
O Midrash nos conta: ao ver que não havia nenhum visitante,
Avraham mandou seu escravo Eliezer procurar por alguém para ele poder servir. O
servo, ao não encontrar ninguém, voltou e disse ao seu amo: “não havia ninguém”.
Avraham respondeu: “não acredito em você”. Sabemos que Eliezer era o responsável
por todas as finanças de Avraham. Cuidava de sua casas, de seus pertences. Ele
que foi procurar mais tarde uma noiva pra Itschak. Como então Avraham pode não
acreditar em seu homem de confiança?
A resposta para essas duas perguntas está no conceito de
chssed. Existem dois tipos de bondade. Uma é aquela que fazemos aos outros
quando vemos alguém sofrendo, precisando de ajuda. É a bondade que surge devido
à um sentimento de piedade e compaixão. Apesar de ser importante, essa não é a
bondade verdadeira. E não era a benevolência praticada por Avraham Avinu.
O segundo tipo de bondade é aquele que faz a pessoa ajudar os
outros quase que por uma necessidade. É a pessoa ter um profundo desejo de
fazer o bem. É a palavra “altruísmo” no seu sentido mais literal. Diz a Guemará
no tratado de Shabat, que quando fazemos o chessed na sua forma
completa, nos conectamos com Hashem, porque sua essência provem da bondade.
Esse era o chessed de Avraham Avinu. E por isso que ele não
acreditou em seu servo quando ele disse que não havia ninguém para ser recebido.
Eliezer, ao dizer isso, quis dizer que o fato de não haver ninguém para
convidar não era um problema, e sim uma solução. Eles não precisariam receber
ninguém, mas isso não era culpa deles, já que as ruas estavam desertas.
Eliezer tinha o primeiro tipo de chessed: se houver alguém
precisando de ajuda, eu com certeza o ajudarei, mas se não tiver ninguém,
melhor ainda. Avraham, por outro lado, se sentiu muito mal por não poder ajudar
ninguém, praticar chessed. Por isso, Hashem lhe enviou os anjos. Podemos entender
agora porque a Torá usou justamente o acontecimento da visita dos
anjos para nos mostrar o que é chessed e o tamanho de a sua importância. Pois
esse é o chessed verdadeiro, aquele que devemos colocar em prática.
Nenhum comentário:
Postar um comentário